domingo, 3 de abril de 2016

Os fins justificam os meios no Estado Democrático de Direito?

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Há um ódio à democracia – não como os generais, pior, pois é o sentimento maquiado sob os traços de direto. 


Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília
 “Há um ódio à democracia – não como os generais, pior, pois é o sentimento maquiado sob os traços de direito”, alerta a professora de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Sara Côrtes.
“Forma-se um partido com um juiz como liderança política, com ministro do Supremo definindo governabilidade e quem será o ministério da Presidente – com forte apelo personalíssimo – sem regras de organização partidárias, cotas para mulheres, congressos, eleições, votações, sem formação de opinião e responsabilidade de escolha pelo voto desta ou daquela proposta”, resume.

As frases, contundentes, traçam um diagnóstico lúcido sobre o momento de grave crise política que vivemos e fizeram parte da apresentação de Côrtes em um ato pela democracia realizado em Salvador na semana passada.
O filósofo alemão Friedrich Hegel nos ensina que o Direito é algo que se sabe (e nós tratamos aqui deste saber jurídico), mas também é algo que se quer (e por isso há sempre escolhas no emaranhado de saberes).
Assim, Hegel afirma que o direito é acima de tudo aquilo que se reconhece, retirando o direito do campo do saber, exclusivamente, e do campo da autonomia da vontade, colocando-o num campo do reconhecimento.
A pergunta que orienta este debate pode ser: O que nós diante dos nossos diferentes saberes (técnicos e humanísticos), que, necessariamente envolvem uma opção por valores, e diante dos nossos quereres que necessariamente envolve uma opção sobre interesses vamos reconhecer, socialmente, como direito neste momento da vida política nacional?
A socióloga Vera Malaguti Batista num livro denominado O Medo na Cidade do Rio de Janeiro – em que debate a histórica Revolta dos Malês, que tanto marcou a formação de um espírito na cidade de Salvador – nos ajuda ao dizer que “as formas de saber são sempre e, inevitavelmente, locais, inseparáveis de sua vida concreta, de sua história”. Alma, olho e mão. O que sentimos, o que vemos e o que fazemos, é o que nos faz quem somos. É na ação que sabemos quem efetivamente somos.
Diante do que sinto, vejo e da minha ação até aqui, tomo como pressuposto que não se dará um único passo no conhecimento da vida política e jurídica do nosso tempo sem nos interrogarmos sobre o autoritarismo ainda presente na sociedade brasileira e os métodos autoritários dos regimes ditatoriais que vivemos até aqui no Brasil.
As prerrogativas constitucionais – os meios dados a estas carreiras do modo como estão sendo usados tem como fim um regime de terror que se tornará insuportável para a própria burocracia, cujos efeitos serão sofridos por todos se o princípio da organização política e social não for modificado, se a noção de direito não for elevada. Quando se amedrontam corpos se enervam espíritos. É preciso dizer as palavras e colocá-las ao vento: são tempos autoritários, opressivos, arbitrários, seletivos, despóticos.
Vemos vociferações contra o Estado como tal na sua dimensão de direito social, constitucionalmente garantido – corte de gastos, menos impostos, privatização, contingenciamento, numa palavra: neoliberalismo.
Fomos acostumados nos últimos tempos com uma política de destruição de direitos civis pela privatização de serviços públicos, com uma economia de monopólio e desemprego estrutural em que se desmantelavam direitos trabalhistas sob o signo da “flexibilização”, e mais uma vez os professores de direito falam em acabar, reduzir a Justiça do Trabalho.
Vociferam por um estado policialesco que se reduza à repressão dos movimentos sociais. Vemos vociferações contra a política como tal na sua dimensão de direitos políticos democráticos – inclusive a organização partidária, contra todos os poderes pequenos ou grandes organizados em partido.
Ao mesmo tempo, vemos uma sanha para aumentar o gasto público das carreiras da segurança pública, aumento do encarceramento em geral e do encarceramento preventivo, cautelar, sem julgamento.
Se estamos excitados com tantas prisões e conduções coercitivas, e delações, e grampos, numa ordem quase frenética, onde o clamor popular ora é fundamento de condução coercitiva para evitar clamor público, ora é incitado por nota do Juiz via Rede Globo, eu pergunto: onde mora seu o Leviatã?
O que fizemos com o liberalismo de Locke e a democracia de Rousseau? Somente Hobbes fincará a nossa história de tempos em tempos, nesta infantilização da sociedade pela ideia de um direito do Estado e de um Estado que age, supostamente, nos limites do direito? (...)Ver matéria na íntegra- Carta Capital.
Maira Kubík ManoFellipe Sampaio/SCO/STF/Fotos Públicas
É doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e professora do departamento de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisa a participação e representação política das mulheres

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